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scut 002 O Grupo Parlamentar do PCP pediu a apreciação parlamentar da Assembleia da República sobre o Decreto-Lei n.º 111/2011, de 28 de Novembro que sujeita os lanços e sublanços das auto-estradas SCUT do Algarve, da Beira Interior, do Interior Norte e da Beira Litoral/Beira Alta ao regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores. Apresentamos aqui o documento entregue na AR, no passado dia 29 de Novembro.

Através do Decreto-Lei n.º 111/2011, de 28 de Novembro, o Governo visa a introdução de portagens nas auto-estradas A22, A23, A24 e A25, consideradas até à data como vias sem custos para o utilizador.
A Via Infante de Sagres (A22), usualmente conhecida por Via do Infante, é um eixo rodoviário com duas vias de circulação em cada sentido que atravessa longitudinalmente o Algarve desde a Ponte Internacional do Guadiana até Lagos/Bensafrim. Esta via, com uma extensão de 133 km e 18 nós de acesso, integra a rede de itinerários principais e a rede de estradas europeias desde a ponte Internacional do Guadiana até ao nó com a A2 (IP1/E01) e a rede de itinerários complementares desde o nó Faro-Loulé até ao nó de Lagos/Bensafrim (IC4).
O lanço que vai desde a fronteira com Espanha até ao nó da Guia (concelho de Albufeira), concluído em 1992, foi financiado pelo Orçamento do Estado com comparticipação de fundos europeus do Quadro Comunitário de Apoio I (FEDER). Com o mesmo tipo de financiamento, foi ainda construído o lanço Guia-Alcantarilha, que entrou ao serviço em 2000. Estes lanços, com 94 km, representam cerca de 70% da extensão total da Via do Infante.
Apesar de a Via Infante de Sagres ser considerada uma auto-estrada, não cumpre, de acordo com um estudo do Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias IP (Auto-Estradas – Características Técnicas, 2008), todos os requisitos técnicos aconselhados para as auto-estradas inter-urbanas, em particular, no que diz respeito ao perfil transversal.
A única via longitudinal do Algarve, além da própria Via do Infante, é a Estrada Nacional 125. Este eixo rodoviário, que em partes significativas do seu traçado é uma autêntica artéria urbana, com cruzamentos, semáforos e passadeiras de peões, não tem características adequadas ao tráfego inter-urbano. “Historicamente, a EN 125 sempre se apresentou como uma das vias com maior sinistralidade do País, segundo os relatórios de sinistralidade rodoviária da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, contabilizando o período entre 1998 e 2006, a EN 125 foi a segunda estrada onde não só ocorreram mais acidentes com vítimas mortais mas também onde se registaram mais vítimas mortais, apresentando também o segundo indicador de gravidade mais elevado, na relação entre vítimas mortais, feridos graves e feridos ligeiros”, reconhece a Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2008 do XVII Governo Constitucional. A anunciada, mas sempre adiada, requalificação da EN 125, com 71 rotundas num percurso de 155 km (12 rotundas nos 20 km que separam Lagos de Vila do Bispo e 14 rotundas nos 19 km que vão de Olhão a Tavira), contribuirá, com certeza, para a diminuição da sinistralidade, mas não tornará esta via num eixo inter-urbano alternativo à A22 – Via do Infante.
O Governo tenciona também aplicar regimes de portagens na A23, entre a saída da A1 em Videla/Torres Novas e a A25 nas proximidades da Guarda, na A24, entre Viseu, Chaves até à fronteira com Espanha e na A25 entre Aveiro e Vilar Formoso.

Acresce que não há alternativas à A23, A24 e A25. No essencial a EN 16, a EN 2, a EN 18 e a EN 17 não constituem alternativa, tendo em conta a sua desadequação como vias inter-regionais, o seu elevado estado de degradação e uma parte significativa do percurso que atravessa diversas localidades. Em diversos troços, a A23 foi construída sobre os anteriores itinerários tornando inevitável a sua utilização. Em outros troços, a não utilização da A23 obriga à circulação pelo interior das localidades. Em outros troços ainda, evitar a A23 obriga a circular em estradas quase intransitáveis. O trajecto entre Torres Novas e a Guarda sem passar pela A23, utilizando a EN 118, o IP2 e a EN 18, obriga a percorrer 231 quilómetros e demora seguramente mais de quatro horas. Pela A23, a distância é de 207 quilómetros e tem uma duração média de 2:10h. Não há, como é evidente, nenhuma alternativa viável à A23. A introdução de portagens na A23 representa um retrocesso de décadas nas acessibilidades dos distritos de Santarém, Portalegre, Castelo Branco e Guarda.

A distância entre Viseu e Chaves pela A24 é de pouco mais de 150 quilómetros e demora aproximadamente 1:45h, enquanto o mesmo trajecto pela EN 2, tem a distância 170 quilómetros, e uma duração de mais de três horas e meia. Pela A25 de Aveiro a Vilar Formoso, são 190 quilómetros, num percurso que não chega a duas horas. Na ligação entre estas duas localidades sem utilizar a A24, pela EN 17 e pela EN 16, a distância é de 234 quilómetros, e demora certamente mais de quatro horas.

A não aplicação de portagens nas chamadas SCUT foi sempre justificada com a necessidade de compensar as regiões do interior do país com medidas de discriminação positiva tendo em conta as manifestas assimetrias regionais existentes. Acontece que a introdução de portagens nas vias em causa terá consequências profundamente negativas para as populações e para o tecido económico das regiões atingidas. Trata-se de uma dupla discriminação das regiões do interior. Com efeito, essas portagens vão onerar de uma forma desproporcionada e injusta as populações e as empresas dos distritos de Faro, Santarém, Portalegre, Castelo Branco, Guarda, Viseu, Aveiro e Vila Real. Para além de agravar as dificuldades económicas dos utentes, já duramente afectados por cortes salariais, pelo aumento do custo de vida, por situações de desemprego e precariedade e por baixos níveis de rendimentos, esta medida conduzirá ao agravamento da situação económica de muitas empresas, podendo levar mesmo ao encerramento de muitas delas assim como dificultaria em muito a vida de inúmeras pessoas que utilizam esta via para se deslocar diariamente para o trabalho. No caso da Via do Infante, a introdução de portagens terá enormes consequências negativas na actividade turística que, como se sabe, tem uma importância estratégica para a região.

Com a aplicação do princípio do «utilizador-pagador», o Governo transfere o esforço financeiro colectivo e solidário do país para as populações que são obrigadas a custear a utilização de infraestruturas estruturantes para as respectivas regiões. Desta forma, estará a aumentar o custo por utilização, diminuindo gravemente os índices de eficiência destas vias e gerando elevadas perdas de competitividade das empresas e o agravamento da qualidade de vida das populações afectadas. 

Sob o argumento da consolidação orçamental o Governo tenciona garantir a manutenção de rendas para os grupos económicos e financeiros através da portagem paga pelos utilizadores e pelas transferências da Estradas de Portugal, em compensação pelos défices de exploração hoje existentes e que tenderão a agravar-se, no futuro.

A introdução de portagens tem suscitado um generalizado repúdio por parte das populações, autarquias e associações empresariais afectadas. O PCP associa-se a esse justo protesto, fará tudo o que estiver ao seu alcance para evitar a imposição dessa injusta medida e considera que esse objectivo é perfeitamente atingível se todos os deputados eleitos pelos círculos eleitorais atingidos mantiverem na Assembleia da República as posições que têm manifestado junto das populações que os elegeram.

Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda do artigo 189.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 111/2011, de 28 de Novembro que sujeita os lanços e sublanços das auto-estradas SCUT do Algarve, da Beira Interior, do Interior Norte e da Beira Litoral/Beira Alta ao regime de cobrança de taxas de portagem aos utilizadores.

Assembleia da República, 29 de Novembro de 2011